
"É a primeira vez que a indústria nacional tem os medicamentos prontos para lançar no dia seguinte em que a patente vence. Significa que o trabalho começou anos antes", diz Odnir Finotti, vice-presidente da Pró Genéricos. "Entramos para o pelotão de elite da indústria mundial."
A EMS já tem pronta a sua versão do Viagra, medicamento para disfunção erétil da americana Pfizer cuja patente deve vencer em 20 de junho. Ao todo, a brasileira passou três anos desenvolvendo o produto e investiu R$ 20 milhões (veja quadro abaixo). A parte mais demorada do processo, que começou na análise da viabilidade comercial da cópia e passou por dezenas de testes, foi encontrar um composto que se comportasse de modo equivalente ao medicamento original.
A fórmula de um genérico não é exatamente a mesma do medicamento original. O princípio ativo da droga (no caso, o citrato de sildenafila) precisa ser igual ao do Viagra, assim como outras características, como sua concentração. O que muda são os componentes da droga que não têm efeito sobre o organismo, mas que servem para ligar ou dissolver substâncias. As quantidades dessas componentes não estão descritas na bula. Para chegar a um genérico, portanto, é preciso passar por tentativas e erros. No caso do seu Viagra, a EMS fez cerca de 20 ensaios.
O cenário desse périplo foi a sede da empresa, em Hortolândia (SP). Desde 2009, o laboratório da EMS passou a funcionar 24 horas sem parar para dar conta do trabalho extra. O Aché, que deve investir R$ 142 milhões até 2013 para copiar 15 drogas, também decifra as fórmulas de seus genéricos em casa. Prevendo o excesso de demanda, porém, o laboratório estabeleceu uma parceria com uma empresa indiana para terceirizar o serviço.
Enquanto os técnicos se ocupam com os testes em série, nos escritórios os advogados das farmacêuticas se embrenham em uma verdadeira saga para assegurar que o genérico resultante desse vai e vem não infringe nenhuma patente. Ocorre que a proteção intelectual da molécula em questão tem data certa para se encerrar - são 20 anos após o depósito da patente. O problema é que as fabricantes costumam proteger, também, o processo para se chegar ao medicamento e até mesmo o seu formato. "Os laboratórios multinacionais criam manobras para atrasar a entrada dos genéricos no mercado", diz José Ricardo Mendes da Silva, presidente do Aché.
Tome-se o caso do medicamento Lipitor, da Pfizer, para redução do colesterol. O Aché já tem pronta a sua cópia, mas ainda não sabe exatamente quando vai lançá-la (a expectativa é 2011). A patente da molécula do Lipitor vence em dezembro, mas há outras proteções que ainda pesam sobre o produto. Ao todo, há 120 patentes relacionadas ao Lipitor. Se fosse esperar pelo vencimento de todas elas, o Aché levaria mais dez anos para fabricar o genérico (a farmacêutica não informou como conseguiu contornar as restrições à cópia da droga - se por meio de caminhos alternativos para a criação da fórmula ou pela contestação jurídica das patentes).
Além do imbróglio jurídico e do científico, há, ainda, a dificuldade de vender um produto que é exatamente igual ao dos concorrentes - e são vários os concorrentes. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já emitiu o registro para sete medicamentos contendo o princípio ativo do Viagra e outros oito casos estão em análise. Com a ambição de conquistar metade do mercado de disfunção erétil até o ano que vem, a EMS trabalha em duas frentes. A primeira é um genérico tradicional e a segunda, um similar, ou genérico com marca. Sua estratégia será promovê-los entre os médicos e escolher uma faixa de preço competitiva, mas que ainda garanta margens à altura do investimento. "Estamos em fase de definição do preço e das demais estratégias", diz o vice-presidente de mercado da EMS, Waldir Eschberger Júnior. "Para começar, queremos ser os primeiros a chegar nas farmácias." Se criar um genérico não é fácil, se diferenciar nas prateleiras da farmácia, então...
O PASSO A PASSO DA EMS PARA CRIAR SUA VERSÃO DO VIAGRA
1. Análise de mercado
O laboratório comparou o volume de vendas da droga a ser liberada da patente, no caso o Viagra, e o investimento a ser realizado. A intenção era calcular se valia a pena apostar as fichas no medicamento
2. Estudo da patente
A EMS colocou seus advogados para analisar o período de proteção ao medicamento. Eles se certificaram, caso a caso, se as várias patentes que pesavam sobre o medicamento impediam ou não a sua cópia
3. Desenvolvimento do produto
Como apenas parte da fórmula era conhecida, os técnicos se envolveram em uma série de quase 20 tentativas até chegar a um remédio com comportamento equivalente ao do Viagra
4. Controle da qualidade
No chamado "desenvolvimento analítico", os técnicos criaram métodos para avaliar se o produto está dentro das especificações. Foi analisada a quantidade de princípio ativo, por exemplo
5.Testes
A nova fórmula passou pelo escrutínio dos técnicos para descobrir se seu comportamento era mesmo semelhante ao do Viagra. Os testes são realizados tanto no laboratório como em seres humanos
6. Registro
A empresa preparou um dossiê sobre o processo de criação do genérico e encaminhou para a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a fim de que a comercialização do medicamento fosse aprovada
Fonte: http://www.estadao.com.br/saude/