Walgreens e CVS podem estar aportando em terras brasileiras. Mas será que elas conseguirão se adaptar a um segmento que ainda discute qual o formato ideal que deve seguir?
A notícia não é de hoje não surpreendeu ninguém no varejo farmacêutico. As gigantescas Walgreens e CVS estão se preparando para um desembarque no Brasil. No ano passado, o “boato” ganhou força porque, segundo o mercado, bancos de investimento teriam sido contratados pelas duas corporações a fim de que estas intermediassem a compra de redes brasileiras. Na mira, a Droga Raia e a Drogaria São Paulo. O interessante é que as duas empresas diferem no seu modelo de expansão. A Walgreens privilegia a abertura de novas lojas, embora tenha adquirido, no ano passado, a Optin Care, uma rede com mais de 100 farmácias presentes em 34 Estados. Sua especialidade mesmo é abrir PDVs. No ano passado, abriu sua primeira loja no Havaí, e hoje está em 47 dos 50 Estados americanos, mais Washington D.C. e Porto Rico. Com isso chega à incrível marca de 6.237 farmácias, alcançando vendas de US$ 53,8 bilhões.
Já a CVS cresceu abocanhando as redes menores. Com 6.200 lojas em 38 Estados e vendas de US$ 80 bilhões, a rede, tanto quanto suas congêneres Walgreens, RiteAid, Duane Reade, sempre encontrou conforto no mercado americano. Só que, de uns tempos para cá, a competição, que nos EUA beira a selvageria – seja por espaços, seja por clientes – tem se mostrado sangrenta. “O consumidor americano, embora esteja receoso de por as mãos no bolso nesses tempos por conta da recessão que se avizinha, ainda é o mais cobiçado do mundo e é por isso que os EUA são os maiores importadores de praticamente tudo”, afirma Eduardo Szarazzate, consultor, especialista em varejo internacional. “O varejo farmacêutico americano nunca precisou direcionar seu olhar para fora do país e o fazia apenas quando tinha interesse em outros negócios”, diz. “Tanto é assim que é a maior PBM dos EUA tem interesses na Vidalink, a maior PBM brasileira.”
Que o varejo farmacêutico brasileiro desperta esse interesse parece não haver dúvidas. Um relatório divulgado em dezembro do ano passado pelo IMS/Health aponta o Brasil como um dos principais atores no campo das farmácias e drogarias, juntamente com Turquia, México e China. Segundo o relatório, esses quatros países deverão chegar ainda mais perto dos EUA no que diz respeito a vendas de medicamentos de prescrição. Em termos globais, dois anos atrás, 50% dessas vendas aconteciam em terras americanas, e em 2008 o relatório aponta que essa participação cairá mais um terço. Mas há outros fatores importantes. As drogarias brasileiras, sobretudo as redes, se profissionalizaram, colocaram executivos experientes à frente dos negócios, atualizaram a gestão, diversificaram seu mix de vendas, investiram em megalojas, ações de marketing e tecnologia e estreitaram seus canais com a indústria cosmética e farmacêutica.
Andares especializados
Com tudo isso foram parar na bolsa de valores. A Drogasil liderou a fila. Com os aportes recebidos, chegou em 2007a 211 operações com uma receita brutal de R$ 1 bilhão, dos quais quase R$ 740 milhões corresponderam à venda de medicamentos, com um registro de alta em relação a 2006 da ordem 21,9%. Por isso que a Droga Raia tratou de entrar na fila para fazer IPO, a oferta pública inicial de ações, assim como o grupo Drogacenter, proprietário da marca Drogão Super (35 lojas no interior de São Paulo e em Minas Gerais). A Onofre, além de adotar a governança corporativa, também estuda entrar no mercado de ações. “Isso mostra, de fato, a profissionalização do setor, já que a abertura de capitais não é bem uma coisa na qual amadores se saem bem”, dispara Szarazzate. A pergunta que fica é se isso será suficiente para atrair e manter grandes redes americanas por aqui, dadas as diferenças de cultura na gestão do mix de produtos na farmácia.
Redes como a Walgreens e a britânica Boots, por exemplo, são imensas. A Boots tem “specialista floors”, andares especializados, o que a torna mais uma loja de departamentos do que propriamente uma farmácia. Por aqui, todos conhecem a luta que se trava entre os órgãos de normatização e fiscalização e os gestores de farmácia no que diz respeito à composição de produtos que podem ser vendidos na loja. A idéia de que esse PDV está se tornando uma loja de conveniência ou um supermercado arrepia os Conselhos Regionais de Farmácia. Na outra ponta, os executivos do setor alegam que não dá para imaginar a farmácia vendendo somente medicamentos e artigos correlatos, ou produtos de higiene e beleza. O contrastante é que, enquanto a Drogasil, a segunda rede do Estado de São Paulo e a quarta do Brasil, registra vendas de medicamentos superiores a de não-medicamentos, uma pesquisa recente mostra o contrário.
O Instituto de Pesquisas Ibope Solutions a pedido da Popai Brasil, especializada em merchandising no ponto-de-venda, 42% das pessoas que entram em uma farmácia o fazem para adquirir um não-medicamento. "As pessoas consideram as farmácias o melhor lugar para adquirir fraldas descartáveis, tintura para cabelo, xampu e condicionador", afirma Eduardo Krenke, diretor de Atendimento e Planejamento do Ibope Solutions. Três por cento das pessoas que visitam esse PDV compram barras de cereal, 2% águas e refrigerantes e 78% não apresentam receita médica. "A maioria dos consumidores – 86% – paga o produto à vista. São pessoas que vão com dinheiro contado porque sabem do que precisam. Por isso, os produtos comercializados por impulso apresentam valores baixos, de até R$ 3." Krenke diz que o tíquete médio de cada cliente é de R$ 12, com permanência média dentro do estabelecimento de sete minutos.
Devaneios em vendas
Vânnia Parma, diretora da Múltipla PHD Estudos Comportamentais, diz acertadamente que atualmente a farmácia é vista como um canal de bem-estar. "Por isso, as lojas têm de oferecer várias opções de medicamentos, atendimento de qualidade e exposição satisfatória de produtos". Se a briga fosse só por isso, as estrangeiras não teriam problemas por aqui. Mas a coisa é mais complexa. Dirceu Raposo, diretor-presidente da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – sempre se posicionou contra a venda de produtos que, em suas próprias palavras, “não possuam natureza sanitária”. Em sua opinião, estabelecimentos farmacêuticos devem vender apenas medicamentos, assim como outros pontos-de-venda, que não as farmácias, não devem vendê-los. O presidente não exagera quando diz que muitas farmácias vendem produtos inteiramente contrários à natureza da missão da farmácia.
Há casos em que o bom senso realmente passa longe. Algumas farmácias conseguem vender medicamentos ao lado de cigarros, charutos, CDs, cerveja, lâmpadas, salgadinhos gordurosos, raspadinhas, seguro de vida, sela para cavalo e ração para animais. Entretanto, afora esses devaneios que campeiam muito mais em áreas onde o comércio, como um todo, não é robusto, parece que o que o povo espera de uma farmácia é muito mais do que um lugar onde possa comprar remédios. Sérgio Mena Barreto, presidente da Abrafarma – Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias – que, como não poderia ser diferente, luta na outra ponta do ringue, exibe pesquisas do Ibope – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – e do Vox Populi, revelando que mais de 70% das pessoas consultadas são a favor da venda de outros produtos nas farmácias, além dos medicamentos.
Para ele, além dos problemas econômicos, a adoção do formato que a Anvisa e os Conselhos propõem poderá afetar o acesso da população de baixa renda, as chamadas classes D e E, a produtos e serviços. Todos do segmento sabem que os produtos farmacêuticos oferecem baixa margem de lucro e as farmácias precisam ampliar sua oferta de produtos fora da área de medicamentos para poder manter seus negócios. E, só para salgar mais ainda o prato, há um outro fator com o qual as redes precisam lidar e que só sustenta a tese de que diversificar é preciso: o avanço explosivo das farmácias com bandeiras de supermercados. Só o Grupo Pão de Açúcar possui 142 lojas e tem planos de abrir mais este ano. O Carrefour, com 102 drogarias em suas unidades, quer mais 50 ainda no primeiro semestre. Neste ano todas as lojas a serem abertas terão drogaria. O Wal-Mart tem 134 operações e quer abrir mais 40 até o final do ano.
Jogo duro
Portanto, as americanas que se preparem. Embora as grandes redes por lá concentrem algo em torno de 65% do varejo (contra 20% daqui) – o que não torna a competição mais cordial – estabelecer-se em um país como o Brasil, que ainda não especificou muito bem o que quer de suas farmácias, não será fácil. A forma como os americanos vêm o negócio difere do brasileiro. A Walgreens, que tem centros clínicos em suas lojas, possui uma seção de “saúde e bem-estar sexual”, com venda de remédios, testes de gravidez e camisinhas, tudo o que se encontra em uma farmácia brasileira usual. Mas já está pensando em seguir os passos da Apoteket, uma rede sueca que irá colocar produtos eróticos em suas prateleiras. Embora a linha não esteja bem definida, sabe-se que haverá brinquedos eróticos, óleos lubrificantes, filmes e, talvez, lingerie. Saúde sexual faz parte do bem-estar geral. A Walgreens conseguirá emplacar esses produtos por aqui?
Fonte: Pharma Business