Um dilema moral
Especialista discute se é correto criar inteligência à base de drogas
O uso de remédios para turbinar o cérebro está levantando questões éticas nos Estados Unidos. Um dos precursores dessa discussão é Steven Hyman, professor de Neurobiologia da Faculdade de Medicina de Harvard, onde acumula o posto de vice-reitor. Ex-diretor do Centro Americano de Estudo da Saúde Mental, Hyman falou a ÉPOCA sobre os temores de uma sociedade mais classista no futuro.
ÉPOCA - Como o senhor vê os novos medicamentos usados para melhorar o funcionamento cerebral?
Steven Hyman - A Ciência busca remédios para tratar e curar doenças. Ao encontrá-los, descobrimos que muitos ajudam quem não está doente. O ser humano sempre procurou melhorar sua performance cerebral. Se algumas drogas têm esse efeito, é uma tentação para todos.
ÉPOCA - O senhor é contra?
Hyman - Não sou contra nem a favor. Só acho que se trata de questão ética a ser discutida pela sociedade. Vejo três grandes problemas. O primeiro é o da segurança. Se uma pessoa está doente e assume o risco dos efeitos colaterais, tudo bem. Mas alguém saudável não deveria correr esses riscos desnecessariamente. Outro problema é de justiça. Como ficam aquelas pessoas com menos recursos, que não poderão comprar essas drogas? Vamos criar mais um gap entre ricos e pobres.
ÉPOCA - E qual é o terceiro problema?
Hyman - Coerção. Se várias pessoas começarem a tomar drogas para não dormir e funcionar 24 horas por dia, todo mundo vai se sentir coagido a fazer o mesmo. Caso contrário, não poderá competir no ambiente de trabalho. Nos esportes, as drogas são proibidas e os atletas são testados para todos terem as mesmas condições. Mas, em um escritório, como isso vai acontecer? É claro que os chefes vão ficar bem satisfeitos com funcionários que não ficam irritados, não sentem sono e são mais espertos.
ÉPOCA - Isso já está acontecendo?
Hyman - Há escola nos EUA querendo testar alunos por desconfiar que eles tomam estimulantes para ficar mais ligados em dias de provas. É uma polêmica.
ÉPOCA - A Ciência de hoje encara o cérebro de forma diferente?
Hyman - Sim. Estamos desvendando a caixa-preta, como o cérebro era encarado antigamente, o que nos levava a separar o corpo da mente. Agora que temos ferramentas para compreender seu funcionamento como um todo, podemos entender de que maneira o homem funciona - desde o processo de aprendizagem até como nos viciamos em drogas.
Fonte: Revista Época