Poder público brasileiro permanece atado a uma herança que hoje mais compromete do que estimula o desenvolvimento econômico e social
Nelson Brasil de Oliveira, Vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina (Abifina)
Foi preciso que se evidenciasse, de maneira incontestável, a perda da capacidade inovadora e da competitividade internacional da indústria brasileira para o governo federal dar um importante passo à frente na implantação da sua política de desenvolvimento industrial e tecnológico, que tem sido extremamente lenta. Mas, antes tarde do que nunca. As medidas provisórias (MPs) 495 e 497, assinadas pelo presidente Lula no fim de julho, estabeleceram em lei que o poder de compra do Estado deve ser usado como instrumento de política industrial por meio de uma margem de preferência nas compras públicas aos produtos fabricados no país, e que incentivos fiscais à inovação tecnológica atinjam as micro e pequenas empresas. A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), lançada em 2004 e transformada, em 2008, na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), rendeu ao longo de 2009 alguns avanços pontuais, a exemplo da concepção do Complexo Industrial da Saúde. A implantação desse complexo industrial foi regulada por meio de portarias normativas que permitiram, entre outras coisas, a formação de parcerias público-privadas (PPPs) objetivando a inovação tecnológica e a fabricação doméstica de insumos e produtos para a saúde pública que se encaixam, perfeitamente bem, no âmbito do marco regulatório criado pela MP 495.
Contudo, esse avanço ainda é muito pequeno diante do desequilíbrio econômico que se avoluma. As MPs autorizam a realização de ações pelos órgãos operacionais, mas, se não forem implantadas de imediato portarias ou atos normativos que regulem e determinem sua aplicação, não ocorrerão mudanças apreciáveis no perfil da produção e do comércio exterior brasileiro em direção ao aumento da participação relativa de mercadorias de mais alto valor agregado na pauta exportadora. O sucesso de uma política industrial voltada para o desenvolvimento econômico demanda um elevado grau de convergência e articulação nas ações administrativas de diferentes instâncias do Poder Executivo, e até mesmo o envolvimento dos poderes Legislativo e Judiciário, o que não vem ocorrendo de modo algum no Brasil, por falta de um projeto estratégico nacional responsável pela ação coordenada do sistema.
O poder público brasileiro permanece atado a uma herança que hoje mais compromete do que estimula o desenvolvimento econômico e social: o “assembleísmo” e a descentralização exacerbada promovidos pela Constituição de 1988, explicáveis como reação ao período de exceção anteriormente vigente, bem como pela excessiva partidarização da máquina pública, porém, contraproducentes sob o ponto de vista da gestão.
Uma administração pública que mereça este nome requer coordenação central forte, consistente nas decisões e eficaz no monitoramento da implantação das políticas públicas. Entre as promessas e os atos, como também entre os projetos e sua implementação prática, há uma distância que o governo precisa encurtar, sob pena de ver malogradas as políticas sobre as quais construiu sua identidade eleitoral. A tendência crescente de déficit na balança comercial brasileira, decorrente da perda de valor agregado das exportações e do processo inverso nas importações, está longe de ser revertida, a despeito da PITCE e da PDP. Isto porque, apesar do reforço do poder de compra do Estado em favor da indústria nacional pelas recém-editadas MPs, providências fundamentais junto aos órgãos operacionais para a execução dessas políticas continuam faltando.
Na área da química fina, na qual se destacam as indústrias farmacêutica e de defensivos agrícolas, um meio simples de incentivar a inovação e a produção nacional seria os órgãos reguladores diretamente envolvidos, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), adotarem uma “fila verde-amarela” para analisar com prioridade pedidos de registro sanitário e de patentes relativos a produtos desenvolvidos no país. Outra medida seria a reativação do Grupo Interministerial da Propriedade Intelectual (Gipi), ou a criação de outro órgão com efetivo poder de articulação e decisão, para deliberar sobre diretrizes de exame de patentes em sintonia com os objetivos da política industrial e de desenvolvimento tecnológico e dirimir conflitos de interpretação entre os órgãos de diferentes ministérios.
A edição das MPs 495 e 497 mostrou que o governo mantém seu compromisso com a PDP. Mas como no Brasil as leis têm que “pegar”, para deixar de ser meros instrumentos de ficção, é indispensável uma rápida edição de regulamentos e instruções claras determinando às instâncias operacionais os procedimentos e critérios de aplicação. Neste momento, carecemos, apenas, de uma forte liderança legitimada pelas urnas para exercer com autoridade o poder central, articulando os agentes econômicos de forma a torná-los tão produtivos quanto o país precisa para atingir um crescimento sustentável.
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