domingo, 7 de novembro de 2010

Indústria brasileira sente o peso da guerra cambial

Sob ataque de importados, fábricas voltam a amargar, pelo segundo mês seguido, recuo de 0,2% na produção. No terceiro trimestre, em comparação com o anterior, queda foi de 0,5%


A indústria brasileira já sentiu na carne os efeitos da guerra predatória do câmbio. Em setembro, deu sinais claros de que o ingresso de produtos importados, beneficiados com a desvalorização do dólar, derrubou os níveis de atividade em 0,2% em relação a agosto, mostrou a Pesquisa Industrial Mensal Produção Física, divulgada nesta quinta-feira (04/11) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No fechamento do terceiro trimestre de 2010, o setor industrial ficou negativo em 0,5% na comparação com o trimestre imediatamente anterior. Entre especialistas, essa performance é encarada desde uma simples estabilidade a até mesmo uma desaceleração, realidade que exigiria a adoção urgente de medidas para proteger as fábricas nacionais.
Confirmado o pior cenário, uma das ações esperadas é o estabelecimento, pelo Governo, de estratégias de valorização da indústria local, como a compra de produtos exclusivamente de fornecedores nacionais para os programas de obras públicas, sugere o analista político do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (Ibmec), Creomar Lima Carvalho. "Esse é o desafio que tanto o governo Lula quanto o governo Dilma devem enfrentar, buscando o ponto de equilíbrio entre o uso do câmbio para combater a inflação, com abertura para as importações, e a consequente queda da atividade industrial, com a inevitável desaceleração do emprego."
Analistas de mercado projetavam um recuo na atividade industrial de 0,1% mês a mês, mas a queda manteve-se, pelo segundo mês seguido, em 0,2%. "Temos, agora, um quadro de estabilidade para a indústria como um todo. Todos os segmentos mostram um ritmo menor que no segundo trimestre. Trata-se de um dinamismo menor", definiu, assim, o coordenador da pesquisa, André Macedo. Segundo o IBGE, as importações no terceiro trimestre avançaram 43% ante o mesmo período do ano anterior. Para bens intermediários, o crescimento foi de 40%. O impacto das importações está afetando vários setores da indústria nacional.


Estoques


Na comparação de setembro sobre agosto, 15 setores tiveram queda da produção e 12 apresentaram alta. O segmento de bens de capital, com queda de 2,6% em setembro ante agosto, e os bens de consumo duráveis, com a redução na produção de celulares, também podem estar sofrendo o efeito do câmbio. Entre as cinco atividades que mostraram redução na produção, material eletrônico e equipamentos de comunicações (-16,9%) e outros produtos químicos (-3,2%) foram as que exerceram as influências mais relevantes sobre a média geral. O economista-sênior do Espírito Santo Investment Bank, Flávio Serrano, estima que a queda nos índices de atividade da indústria resulta do processo de redução de estoques das fábricas.

"Não percebemos sinal de acomodação. A indústria se preparou para uma dinâmica mais forte e conseguiu um nível médio de estoques. O consumo retomou um processo vigoroso e espera-se maior dinamismo da indústria no quarto trimestre, quando a indústria apresentará nível de estoque mais adequado e irá acompanhar o varejo", avaliou Serrano. A expectativa é de que a retomada do nível de atividade da indústria no último semestre do ano decorrerá do crescimento do rendimento médio, da expansão da massa salarial e da situação favorável ao crédito da pessoa física. " Contamos com uma combinação de demanda favorável, que deverá continuar."

Sem incentivos

A produção industrial encontrava-se, em setembro, 2,1% abaixo do recorde observado em março deste ano, quando o segmento ainda usufruía dos incentivos fiscais dados pelo Governo. Naquela ocasião, os segmentos automotivo e de eletrodomésticos, principalmente, desfrutavam da redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Mas, como os estoques aumentaram, as fábricas decidiram pisar no freio, à espera de novo aquecimento da demanda.

Faturamento recorde

Embora a indústria nacional venha enfrentando dificuldades decorrentes do ingresso de produtos importados, o setor continua ampliando o parque de produção e vem registrando crescimento moderado no nível de atividades. Esse cenário foi desenhado pelos economistas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) no terceiro trimestre do ano, dando conta de um salto moderado, associado a um faturamento real recorde, e a reduções das horas trabalhadas e da utilização da capacidade instalada.

O gerente executivo da Unidade de Política Econômica da CNI, Flávio Castelo Branco, apontou como uma das causas dessa moderação o fim das desonerações tributárias em setores como automóveis e eletrodomésticos. Para o economista-chefe da CNI, Marcelo de Ávila, o setor industrial vem intercalando movimentos de queda e de crescimento.

"A indústria aumentou o parque industrial de forma rápida, mas compete com a importação e não tem acesso ao mercado da exportação, por causa do câmbio desfavorável", disse.
Para o quarto trimestre, Ávila prevê crescimento. "O crescimento das horas trabalhadas terá influência e num ritmo mais forte da indústria, mas que não será igual ao ritmo do primeiro trimestre do ano."

(Fonte: Correio Braziliense - 05/11/2010)