Síndrome de multífidus, ou “da covinha”, costuma ter sintomas associados por muitos ortopedistas a hérnias de disco. Erro de diagnóstico pode significar um tratamento inadequado e o prolongamento das dores
Durante três meses, a dona de casa Enid Moratti Pereira, 71 anos, conviveu com uma dor quase insuportável. A pontada descia da região lombar e corria até a perna esquerda. “Era uma dor terrível. Parecia que eu estava tomando choques elétricos. Para andar, eu precisava segurar nas paredes, meio agachada, tamanha era a dor de ficar em pé”, relata. O sofrimento nada mais era do que uma distensão do músculo multífidus, conhecida como a síndrome de multífidus.
Enid faz parte de uma triste estatística: oito em cada 10 pessoas adultas sofrem com dores na coluna lombar. Segundo o ortopedista e diretor da Clínica da Dor, em Belo Horizonte, Geraldo Carvalhaes, são inúmeras as doenças associadas a isso. Uma delas, a síndrome de multífidus — ou “da covinha”, como é popularmente conhecida — é, muitas vezes, confundida com hérnias de disco, explica o especialista. “O multífidus faz parte da camada mais profunda da coluna e é responsável pela estabilidade das articulações entre as vértebras. É ele que liga as vértebras, além de ligar a última delas ao osso íliaco (bacia). Essa região é conhecida como articulação sacro-ilíaca, a covinha no fim da lombar (aquele furinho muito comum, principalmente nas mulheres). Quando há um estiramento desse músculo, começam as dores.”
A confusão entre as duas doenças pode significar que o tratamento definido seja inadequado — para uma ou para outra —, o que provocaria a manutenção por mais tempo das dores e até o agravamento do problema. A diferença da síndrome de multífidus para a hérnia de disco, segundo Carvalhaes, reside nas alterações neurológicas provocadas pela hérnia, como falta de reflexo e sensibilidade. “A hérnia irrita os nervos, enquanto a síndrome atinge o músculo. Quem tem hérnia, sente dores das costas até os pés. Na síndrome de multífidus, as dores podem chegar até à panturrilha.”, esclarece o médico. As causas dessa síndrome são geralmente associadas a uma distensão muscular.
Segundo Carvalhaes, carregar muito peso ou simplesmente levantar-se da cama ou da cadeira de forma errada pode provocar a distensão. “É quando o paciente está bem e, de repente, a coluna trava. Isso geralmente é causado pelo espasmo dessa musculatura lombar, provocado pelo estiramento do músculo.” Rosemary Chaves Fonseca, chefe da fisiatria do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), diz que não há uma causa específica para a síndrome, mas ela chama a atenção para a falta de exercício e para o envelhecimento. “Com o tempo e a falta de exercícios, há o encurtamento de músculo. Um esforço maior, ou um movimento de torção, podem provocar a distensão.”
Desconhecimento
O marido de Enid, Manuel Viana, 73 anos, também sofreu com a síndrome. Ele foi acometido seis meses antes da mulher. “Manuel caminhava e, de repente, ficava estático. Não conseguia calçar as meias, nem, muito menos, amarrar o tênis”, conta Enid. Ambos procuraram um ortopedista. O especialista, porém, atribuiu a dor a um desvio na coluna e a uma possível artrose.
A síndrome de multífidus é, realmente, pouco conhecida pela maioria dos profissionais. Gustavo Rocha, ortopedista e professor da faculdade de medicina da Universidade de Brasília (UnB), diz que somente nos últimos tempos estudos mais aprofundados estão sendo feitos nesse tipo de musculatura. “A irritação do multífidus pode ser uma das causas de lombalgia. Os médicos devem ficar atentos à essa musculatura na hora de dar o diagnóstico.” Carvalhaes também critica a falta de atenção dos profissionais. “Esses músculos são muito conhecidos pelos anatomistas e pouco lembrados pelos ortopedistas e neurologistas.”
O diagnóstico da síndrome é feito por meio de exame clínico, pois não existe um teste que identifique o problema. “A imagem ainda não mostra os estiramentos que essa musculatura pode ter”, diz Carvalhaes. Ele explica que quando o paciente esta acometido pela síndrome, uma pequena pressão na área das covinhas faz com que o paciente logo acuse a dor. “Não precisa nem colocar muita pressão, pois o local fica extremamente dolorido.”
Como tratar
O tratamento da síndrome consiste em aplicar uma média de três a cinco injeções de analgésicos, terapia bioxidativa (injeção de ozônio no músculo) e a crioterapia — aplicação de gelo no local. De acordo com Carvalhaes, a primeira coisa a ser feita é tirar a dor do paciente. Depois, faz-se a correção postural. “Já na primeira aplicação de analgésico foi alívio imediato, como jogar água no fogo”, relata Enid. A fisiatra Rosemary acrescenta que, para ter sucesso no tratamento, o paciente deve ser orientado a fazer exercícios que reforcem a musculatura. “Alongamentos também são muito importantes, para que a síndrome não reincida”, pontua.
Para prevenir a síndrome, é necessário um programa de exercícios de reforço na musculatura pélvica — os músculos reto-abdominais, os do períneo e os das nádegas — por meio da fisioterapia. “A gente deveria exercitar mais os nossos músculos no dia a dia. Em casa ou no trabalho, as pessoas podem se exercitar e adquirir hábitos saudáveis para manter uma boa postura e evitar a síndrome”, orienta Carvalhaes. O fisioterapeuta Fernando Santiago também concorda com a prevenção e acrescenta que as pessoas que sentem dores na região lombar devem aprender a cuidar da coluna e a fazer movimentos corretos que não sobrecarreguem os músculos. “O ideal é que as pessoas façam uma avaliação mecânica. Ela permite entender como está a mobilidade de suas costas”, diz. “Com isso, o profissional pode ensinar os cuidados corretos para se movimentar e corrigir problemas de postura. Isso previne distenções e outras eventuais dores musculares na região”, conclui o fisioterapeuta.
Fonte: Correio Braziliense
Notícia publicada em: 22/01/2010