terça-feira, 13 de julho de 2010

No forno, o antibiótico nacional

Hebron planeja construir novo laboratório na região industrial de Macaé, no Rio, para marcar presença na região Sudeste.

Josimar Henrique da Silva é um homem de muitas palavras. Daqueles que interrompem a toda hora o interlocutor, sem pedir licença, para atender ao celular. Depois se desculpa, todo matreiro, ensaia uma falsa timidez, para em seguida, voltar a falar ao telefone. As interrupções telefônicas orbitam em torno dos negócios. Josimar, como é conhecido no mercado, é presidente e fundador da Hebron Farmacêutica, um laboratório instalado em Pernambuco, região de pouca tradição nesse segmento. Mas ele quer fazer história. "Vou ser o primeiro a lançar um antibiótico genuinamente brasileiro."
Um grupo de cientistas foi contratado pelo empresário em abril para dar início às pesquisas do primeiro antibiótico biotecnológico nacional. "Dei um prazo de dois anos para que os trabalhos avancem", afirma, mostrando uma grande ansiedade. "Você acredita que não temos nenhum antibiótico brasileiro?", destaca.
Josimar tem razão. Há algumas pesquisas em curso tocadas por empresas e universidades do país, mas até o momento os princípios ativos são importados. E isso vale também para uma boa parte dos medicamentos consumidos no Brasil - são poucos os remédios com bandeira verde-amarela.
Nessa equipe da Hebron estão médicos, químicos, biólogos e farmacêuticos, um total de 14 pesquisadores debruçados entre pipetas e microrganismos com o objetivo de ser a primeira empresa a desenvolver o antibiótico nacional. "Não será um antibiótico pela tradicional rota química. Estamos pesquisando pela rota biotecnológica [insumos biológicos]", afirma.
Aos 59 anos de idade, o pernambucano Josimar já fez de tudo um pouco até cair de vez no setor farmacêutico. Na infância ajudava seu pai, que era vendedor de sapatos e sandálias na tradicional feira de Caruaru. Também foi vendedor de tecidos e locutor de rádio. Aos 18, decidiu "tomar prumo na vida" e foi estudar contabilidade. Isso foi um passaporte para trabalhar em um banco, considerado pela sua família um bom rumo profissional. Mas a carreira "promissora" não durou muito. Três anos depois virou propagandista do laboratório nacional Aché, onde permaneceu por 12 anos, dando início à sua trajetória nesse setor.
A decisão de ter seu próprio laboratório pode até soar ideológica, pelo seu determinismo em explorar novos medicamentos, mas Josimar é bem pragmático. Quis ter seu próprio negócio e ser bem-sucedido. Fundada em 1990, a Hebron Farmacêutica é considerada uma companhia de médio porte, mas com grande presença em medicamentos fitoterápicos (à base de plantas). O empresário reivindica para sua empresa o primeiro lançamento de produtos fitoterápicos do Brasil. E essa tem sido a sua principal bandeira desde então. Apesar de focado em fitoterápicos, a empresa também desenvolve medicamentos químicos, além de cosméticos e alimentos funcionais.
Com atuação bem focada no início dos anos 90 no mercado nordestino, a Hebron tem dado passos largos para se nacionalizar. A empresa chegou em 1992 à região Sudeste, com o Rio de Janeiro como porta de entrada. A escolha pelo Rio, antes de um mercado maior, como São Paulo, reflete sua importância - responde por 15% do consumo de medicamentos no país. Depois a Hebron fincou os pés em Minas Gerais e Espírito Santo. Em 2006, a empresa passou a comercializar seus produtos no interior de São Paulo. A expectativa é de que até setembro deve colocar os pés na capital paulista.
Em 2004, Josimar decidiu que era hora de a empresa caminhar para a "internacionalização". Ele escolheu o mercado peruano para comercializar seus produtos, uma vez que o país integra o Pacto Andino (Peru, Venezuela, Colômbia, Equador e Brasil), o que permite que o registro sanitário dos integrantes seja válido entre eles. A empresa também tem representação nos EUA.
Em 2010 o avanço da Hebron poderá ganhar novos contornos geográficos. Josimar planeja investir na construção de seu segundo laboratório no país. As instalações deverão ser no Rio de Janeiro, mais precisamente em Macaé, onde o governo quer criar um parque industrial forte, com o objetivo de reduzir a dependência do petróleo. Os aportes devem ser de R$ 70 milhões, números bem modestos, se comparados aos investimentos das companhias farmacêuticas de grande porte. O projeto ainda está em andamento e deverá ser definido nas próximas semanas.
Além da nova fábrica, o grupo pretende avançar para a região Sul a partir do ano que vem. O planejamento estratégico é chegar ao fim de 2012 com receita superior a R$ 200 milhões e passar a investir pelo menos R$ 20 milhões anuais - cinco vezes mais que atualmente - no desenvolvimento de medicamentos. A empresa possui 115 produtos lançados, com destaque para clínica médica, pediatria e ginecologia. Este ano, a expectativa é fechar com faturamento de R$ 140 milhões. Se confirmadas as estimativas, será um crescimento de 30% sobre o ano passado (de R$ 108 milhões).
Josimar pode não estar à frente de um grande laboratório farmacêutico, no quesito produção e faturamento, mas é respeitado no setor, mesmo sem ainda ter "descoberto" o primeiro antibiótico biotecnológico brasileiro. Atualmente participa do conselho da Alanac (Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais). Para bancar seus projetos, boa parte com recursos próprios, já teve de se desfazer de importantes marcas de seus medicamentos. Mas esse é um assunto tabu para Josimar.
O empresário diz que não deve aderir à atual tendência do mercado global das indústrias farmacêuticas, que está cada vez mais voltado para o segmento de genéricos. E não descarta, contudo, firmar parcerias com empresas para promover sua expansão dentro e fora do país.
Embora ainda não tenha planos de "pendurar as chuteiras", Josimar está preparando seus três filhos para assumir os negócios no futuro. O empresário não tem medo de ficar com a pecha de gerir uma companhia familiar. "Todos eles trabalham comigo. Um deles é responsável pela diretoria financeira, outro pela fábrica e minha filha pela área de marketing", diz. "Eles foram os únicos que estudaram para ser alguém na vida", brinca.
Neste ano, a Hebron passou a fazer parte do anuário da Fundação Bill e Melinda Gates, organização constituída por parte da fortuna de Bill Gates, principal acionista da Microsoft, e com pesados recursos do megainvestidor Warren Buffet. Essa entidade tem como objetivo a melhoria das condições de vida na área da saúde e a luta contra a pobreza. A fundação incluiu a Hebron em seu anuário sobre os laboratórios que fazem pesquisas sobre doenças negligenciadas. "Fomos incluídos no anuário, mas não recebemos recursos. Isso é um reconhecimento pelo nosso esforço em pesquisas para combater a leishmaniose."
Nos últimos dois anos, a Hebron se comprometeu com o Ministério da Saúde em pesquisar algumas das doenças "esquecidas". O foco do laboratório está na leishmaniose, uma das sete epidemias reconhecidas pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Cerca de dois milhões de pessoas são afetadas por essa doença, todo ano, no mundo. O Brasil está entre os cinco países com maior número de casos dessa epidemia transmitida pela picada do mosquito flebótomo, conhecido popularmente por mosquito prego ou birigui.
Josimar lembra que até hoje o medicamento usado para combater a doença tem quase 70 anos. O empresário argumenta que esse produto é injetável, tóxico e prejudica coração, rins, fígado e é prescrito somente após muitas considerações.
A Hebron tem pesquisado duas substâncias. Uma, semissintética, testada nos Estados Unidos, e outra de origem biológica, desenvolvida nos laboratórios da Hebron - a pesquisa, em parceria com a Universidade Presbiteriana Mackenzie, está agora em fase adiantada com acompanhamento junto a pacientes em um hospital de referência no tratamento da epidemia no Nordeste. Ambas as substâncias foram testadas com sucesso em animais e, agora, são transportadas para testes em humanos. A expectativa da Hebron é doar 24 meses de tratamento a todos os casos brasileiros.
A Hebron tem mantido o Ministério da Saúde informado do andamento das pesquisas, diz Josimar. E o fato de integrar uma rede internacional envolvendo a OMS e a Fundação Bill e Melinda Gates é motivo de orgulho para o empresário, que desde pequeno foi acostumado a vender produtos. Não tem vergonha de sua origem humilde e de ter acompanhado seu pai desde cedo na tradicional feira de Caruaru. Entre um telefonema e outro, fala de negócios, mas mantém seu bom humor. "Eu vou como Deus manda."

Fonte: ABCFarma