Após um giro pelo Irã, o ministro de Ciência e Tecnologia diz que a pátria dos aiatolás não é um país lascado e vislumbra parceria em fármacos
Titular da pasta de Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende é um ministro assumidamente low profile. O que não o impediu de se tornar um dos protagonistas do tema mais explosivo da política externa brasileira dos últimos tempos: a cooperação com o Irã. Rezende esteve no país de Mahmoud Ahmadinejad no início do mês para selar o acordo e se diz impressionado com o que os iranianos lhe mostraram na área de fabricação de remédios.
Os medicamentos são um dos principais focos da atuação do ministro, defensor de que o Brasil explore o urânio para produzir energia, mas também em radioterapia e nos radiofármacos (que contêm elementos radioativos usados no tratamento de câncer). Hoje em sua maioria são importados do Canadá. Além dos interesses comerciais, o intercâmbio com os iranianos passa inegavelmente pela pesquisa atômica, mas o ministro, doutor em Física pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), esnoba a bomba. Ela é de 1944. Em teoria, o Brasil sabe como fazê-la.
CartaCapital: Por que há tanta oposição ao acordo de cooperação com o Irã?
Sergio Rezende: Porque o Irã está sob marcação cerrada, liderada pelos Estados Unidos e por Israel. Os EUA têm uma diferença grande com o país porque, na Revolução Islâmica, em 1979, apoiavam o xá (Reza Pahlevi), uma ditadura que não tinha nenhum compromisso com os direitos humanos. Como o Irã nacionalizou várias empresas na área do petróleo e, além disso, invadiu a embaixada americana, os EUA não o perdoam até hoje. Israel, nos últimos tempos, começou a temer o Irã pelo fato de o país, por conta do isolamento imposto pelos EUA, ter começado a investir em tecnologia. O Irã é um dos países do mundo que mais tiveram aumento de publicações científicas, em todas as áreas. Investiram em tecnologia nuclear, mas em muitas outras também.
CC: O ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira disse em um artigo duvidar que se tornar potência nuclear seja a real causa das sanções contra o Irã, já que, por exemplo, Israel, Índia e Paquistão se tornaram e não sofreram sanções...
SR: O Irã assinou o tratado de não-proliferação nuclear e é signatário do protocolo adicional, que o Brasil não é. Israel tem 200 ogivas nucleares, a Índia eu não sei o número, são potências nucleares, têm problemas de direitos humanos também, e não há reclamações. O Irã é que não pode. Há uma competição, uma confrontação. Desde a revolução islâmica, o Irã não aceita a orientação dos EUA e muito menos ceder aos interesses de Israel.
CC: O que podemos ganhar com a coo-peração?
SR: Estive no Irã exatamente na semana em que Hillary Clinton estava no Brasil. Vi medicamentos que eles desenvolveram sinteticamente, que não temos. Para o combate à Aids, por exemplo. Aqui, as empresas nacionais de fármacos foram sendo vendidas para multinacionais e ficamos para trás. Estamos agora tentando recuperar, fazendo muito investimento. O Irã, como ficou isolado, teve de se virar.
CC: O atraso político que pode ser argumentado não corresponde a um atraso tecnológico?
SR: Ao contrário. O Irã tem 70 milhões de habitantes, é o maior país da Ásia Central e a paridade de poder de compra é duas vezes a do Brasil. Não é um país do fim do mundo, lascado, como se fala. O Irã não é o Iraque, ouvi o presidente Lula dizer para alguns chefes de Estado. A classe média é grande, tem uma elite intelectualizada. E é essa elite que faz uma pressão interna para o regime religioso flexibilizar um pouco.
CC: O quanto é importante para um país desenvolver tecnologia nuclear?
SR: Depende. Para o Brasil é importante porque temos a sexta reserva mundial de urânio e precisamos diversificar nossa matriz energética, hoje fortemente baseada em hidrelétricas. Isso é uma felicidade nossa, porque é matriz limpa, renovável, mas limitada. Atualmente, o Brasil é obrigado a buscar energia em grande quantidade na Amazônia, o que tem um custo, pois são necessárias linhas de transmissão para os maiores centros consumidores. Um reator nuclear pode ser colocado perto, as duas usinas de Angra e a terceira que está sendo feita ficam entre o Rio e São Paulo. Quando houve o racionamento em 2001, as usinas nucleares foram muito importantes para não causar uma crise maior, principalmente no Rio. Então o Brasil não pode deixar de dominar essa tecnologia.
CC: Isso inclui poder desenvolver a bomba atômica?
SR: O desenvolvimento da bomba é muito mais simples até. A primeira bomba foi feita em 1944, quando a tecnologia no mundo estava pouco desenvolvida. Hoje sabemos, foi divulgado pela imprensa, que um estudante de doutorado no Instituto Militar de Engenharia mostrou todos os desenhos de uma ogiva nuclear. Ou seja, em teoria, o Brasil sabe fazer. Mas não há interesse, nossa Constituição diz que o Brasil não vai construir armas nucleares, há um consenso geral de que não precisamos. Somos um país pacífico, não há necessidade de se pensar nisso.
CC: Os ambientalistas têm restrições ao uso de energia nuclear, dizem que seria mais interessante investir na eólica.
SR: Estamos investindo nas duas. A energia eólica tem uma grande vantagem, porque é limpa, tem um custo razoá-vel e está disponível. Mas tem um problema: é intermitente e a forma de onda gerada pelas turbinas eólicas é muito ruidosa, não é uma fonte limpinha como a de um gerador que tem velocidade constante. Ou seja, só pode chegar a 10%, 15% da energia total utilizada. Há uma visão de muitos ambientalistas por conta de acidentes que ocorreram 30 anos atrás, mas hoje a energia nuclear é muito mais segura porque aqueles acidentes fizeram a tecnologia evoluir. Na verdade, é uma fonte de energia limpa, que não contribui para o aquecimento global. Há ambientalistas, como James Lovelock, um dos pais do movimento, que apoiam a energia nuclear por ela não produzir gases de efeito estufa.
CC: Ou seja, a principal utilização da tecnologia nuclear no Brasil será para geração de energia?
SR: Sim, mas também para aplicações médicas. O Brasil não possui um reator para a produção de radiofármacos, temos de importar do Canadá. No ano passado, houve uma crise no gerador canadense e tivemos de importar da Argentina. Quando, 30 anos atrás, optamos por fazer o programa nuclear com a Alemanha, a Argentina optou por fazer o seu próprio e dominou a tecnologia.
CC: Uma das preocupações do ministério era de que só 5% da competência científica brasileira está na Amazônia. Vocês conseguiram ampliar esse número?
SR: Esse número já representa um aumento em relação a 2000. Nos últimos anos, aumentou muito o número de doutores na região, mas é um processo gradual, não dá para acelerar demais. Não se faz os pesquisadores irem para lá de uma hora para a outra, tem de criar ambiente, instituições científicas, centros de pesquisa. Agora estamos criando um centro de pesquisas no Pantanal. Precisamos criar em todo o País, porque, à medida que temos mais mestres e doutores, a demanda aumenta. Estamos nos tornando cada vez mais ambiciosos em ciência e tecnologia, mais arrojados.
CC: Em que áreas o Brasil está mais atrasado?
SR: Em termos de ciência e tecnologia, o Brasil ocupa uma posição intermediá-ria. Não está atrasado, mas também não está avançado. Estamos atrasados em microeletrônica e na área farmacêutica. O Brasil é um grande importador de matéria-prima para medicamentos e de componentes para eletrônica. Temos várias indústrias de computadores estimuladas pelo programa Computador para Todos, indústrias de televisores e de equipamentos digitais, mas todos os componentes são importados. Se não tivéssemos abandonado a microeletrônica na década de 90, não seria assim. A indústria farmacêutica abandonamos já nos anos 70.
CC: Por quê?
SR: Por falta de uma política industrial articulada com uma política de desenvolvimento científico e tecnológico. Um país que fez isso muito bem foi a Coreia do Sul. Quando a Coreia começou a se industrializar, nos anos 80, fazia produtos inteiramente copiados, de baixa qualidade. Mas persistiu, fez centros de pesquisa trabalharem em área-s de interesse da indústria. O Brasil tinha uma política de C&T, desde os anos 70, e uma política industrial, mas elas não se comunicavam. Houve um programa de substituição de importações para equipamentos de telecomunicações, para equipamentos do setor elétrico, mas era feito com tecnologia importada. Dominar a tecnologia e fazê-la chegar à linha de produção é um processo que demora vários anos e nós só temos feito isso recentemente.
CC: E em que somos avançados?
SR: Em biocombustíveis, tanto tecnológica quanto cientificamente. O Brasil tem cerca de 15% da produção mundial de artigos científicos nessa área. Também somos bastante avançados em doenças tropicais, com 20% de todos os artigos científicos produzidos mundialmente.
CC: Uma das prioridades do ministério é apoiar o desenvolvimento de vacinas contra a dengue e contra a malária. Quando isso vai se concretizar?
SR: Acho que entre cinco e dez anos o Brasil terá vacinas contra essas doenças. E é muito importante o Brasil trabalhar nessas áreas, pois são doenças tropicais, fora do interesse do Hemisfério Norte, que não têm mosquito nem mercado para essas vacinas.
Fonte: Revista Carta Capital
Notícia publicada em: 01/04/2010