Estudo recém-publicado confirma, cientificamente, que quem leva a vida com mais bom humor e otimismo tem menos chances de sofrer problemas coronarianos
O fotógrafo Ricardo Crisafulli tem convicção de que bom humor e otimismo são santos remédios: o importante é fazer piadas dos momentos ruins
Pensar positivo, cultivar o otimismo e ser bem-humorado podem parecer conselhos óbvios saídos dos livros de autoajuda. A ciência, contudo, confirma que encarar a vida com mais leveza é, de fato, um santo remédio. Pela primeira vez, uma pesquisa se concentrou na ligação direta entre a felicidade e o risco de desenvolvimento de doenças do coração. O resultado é que os pessimistas têm maior probabilidade de sofrer de problemas coronarianos do que aqueles que sempre têm um sorriso estampado no rosto.
Publicado no periódico European Heart Journal, o estudo analisou por um período de 10 anos 1.739 adultos saudáveis 862 homens e 877 mulheres. No início, enfermeiros avaliaram os riscos cardíacos de cada um dos participantes e, a partir dos testemunhos particulares e dos resultados clínicos, mediram os sintomas de depressão, hostilidade e ansiedade e o grau de expressão das emoções positivas.
Essa última variável é definida como a experiência de emoções prazerosas, como alegria, excitação, entusiasmo e contentamento. Os sentimentos podem ser transitórios, mas geralmente são estáveis e se tornam uma característica da personalidade, principalmente na idade adulta. O que não significa que uma pessoa que geralmente é feliz não possa, ocasionalmente, se sentir ansiosa, com raiva ou deprimida.
Depois de levar em consideração esses fatores, além da idade, do sexo e da predisposição a riscos cardiovasculares, os pesquisadores descobriram que, passada uma década, as pessoas otimistas tinham 22% menos riscos, numa escala de zero a cinco, de sofrerem de problemas cardíacos, comparando-se às que não eram tão bem-humoradas. Houve 145 (8,3%) ocorrências de males como enfartos durante os 10 anos, sendo nove fatais. Isso significa uma taxa de 9,72 eventos por ano em cada mil pessoas. Para ter certeza do efeito pensamento positivo, os médicos ajustaram as variantes. Os otimistas, ainda assim, levaram vantagem em relação aos outros, independentemente de idade, sexo ou predisposição.
Também descobrimos que os participantes que eram otimistas na maior parte do tempo mas, ocasionalmente, sofreram algum sintoma de depressão ao longo da pesquisa, continuavam com baixos riscos durante o período, disse ao Correio a médica Karina Davidson, principal autora da pesquisa. Segundo ela, ainda não se sabe se uma pessoa que já foi vítima de problemas cardiovasculares pode melhorar o estado de saúde caso se torne mais otimista. Mas é bastante interessante pensar que isso seja verdade.
Busca de respostas
De acordo com a pesquisadora, é preciso investigar mais a fundo a relação entre o otimismo e a diminuição de riscos coronarianos. Os cientistas especulam quais os mecanismos possíveis envolvidos nessa relação, como um sono mais tranquilo e a cessação de hábitos maléficos, como o fumo. No estudo, foi verificado que as pessoas mais positivas eram mulheres, não fumantes e possuíam taxas menores de colesterol e pressão arterial.
Há diversas explicações plausíveis. Primeiro, pessoas otimistas podem ter períodos mais longos de relaxamento e descanso. A regulação dos barorreflexos (mecanismos que ajustam a frequência cardíaca) e do sistema nervoso parassimpático pode também ser maior nessas pessoas, comparando-se àquelas com menos positivismo. Segundo, os otimistas podem se recuperar melhor quando expostos a fatores estressantes, e não passar muito tempo os remoendo, coisa que parece estar ligada a danos psicológicos, explica a médica. Ela conta que na Universidade de Cornell há três estudos clínicos a respeito, ainda sendo conduzidos. Também planejamos fazer outro.
O fotógrafo e funcionário público Ricardo Crisafulli, 57 anos, acredita piamente que o otimismo faz bem ao organismo. As doenças chegam a todos sem escolher sexo, raça ou condição social. Existem ricos que morrem de enfarte por perderem dinheiro na bolsa de valores. Existem pobres que morrem de enfarte por não terem o que dar de comida aos filhos. Todavia, rico ou pobre, quando você abraça o otimismo e pensa que as coisas vão melhorar, ainda que você esteja com problemas, você os encara de frente e sem medo, e com a certeza de que são passageiros e de que dias melhores virão?, acredita.
Para ele, além do otimismo, bom humor é fundamental. Embora existam alguns seres humanos que às vezes nos tiram do sério, salutar mesmo é fazer piada dos momentos aparentemente ruins. Pessimismo e mau humor pressionam artérias, veias, músculos e tudo o mais, jura.
O pai de Ricardo morreu de enfarte, mas o fotógrafo não tem qualquer problema cardíaco. A vida de todo mundo é cheia de altos e baixos. Embora eu tenha tido alguns momentos ruins, sempre fui otimista e acreditei que eram apenas momentos. O segredo é acreditar que alguém lá em cima gosta da gente e que não vai deixar de nos amparar sempre, brinca.
Convidado a comentar em um editorial o trabalho de Karina Davidson, o médico Bertran Pitt, da Universidade de Michigan, mostrou-se animado com a pesquisa. A relação entre doenças cardiovasculares e depressão já foi estudada em pesquisas preliminares, que mostraram que as pessoas deprimidas têm um risco muito maior de ter problemas cardíacos, e o uso de antidepressivos não parece mitigar esses riscos, escreveu, no artigo.
Novos tratamentos para aumentar as emoções positivas têm um potencial excitante para novas abordagens nas terapias com pacientes de doenças cardíacas e que desenvolvem depressão, disse Pitt ao Correio. Se as observações e as hipóteses levantadas por (Karina) Davidson estimularem mais investigações sobre o efeito do otimismo na diminuição de riscos cardiovasculares, talvez seja tempo para todos nós começarmos a sorrir.
Também descobrimos que os participantes que eram otimistas na maior parte do tempo mas, ocasionalmente, sofreram algum sintoma de depressão ao longo da pesquisa, continuavam com baixos riscos durante o período
Karina Davidson, principal autora do estudo
Comprovação científica
Veja o que dizem outras pesquisas sobre a relação do otimismo com o bem-estar do corpo e da mente:
Ao analisar as taxas de mortalidade e de incidência de doenças crônicas em 100 mil mulheres com mais de 50 anos, pesquisadores da Universidade de Pittsburgh constataram que as otimistas tinham 14% menos probabilidade de morrer de doenças gerais e 30% menos possibilidade de falecer devido a problemas cardíacos. Elas também têm menor tendência ao diabetes, à hipertensão e ao tabagismo. Já as que costumam encarar a vida de forma negativa tinham 23% mais chances de morrer em decorrência de câncer.
Segundo pesquisadores da Universidade do Texas, os otimistas têm menos probabilidade de sofrer debilidade mental ao envelhecer. Foram analisados 1.558 idosos, sendo que os bem-humorados apresentaram menores taxas de demência. O estudo foi publicado no jornal Psychology and Aging.
Um estudo do Instituto Defland de Saúde Mental, da Holanda, estudou 545 homens entre 64 e 84 anos, que foram acompanhados por 15 anos. Eles constataram que os que se diziam otimistas tinham 55% menos chances de morrer de derrame cerebral inclusive os participantes que possuíam fatores de risco, como tabagismo e histórico familiar desfavorável.
Na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, os pesquisadores descobriram que uma determinada região do cérebro associada a emoções negativas enfraquece o sistema imunológico. Nos menos otimistas, a parte frontal direita do córtex cerebral tem maior atividade, o que prejudica a produção dos neurotransmissores.
Um estudo do Instituto Nacional do Câncer mostrou que mulheres vítimas do câncer de mama que enfrentam a doença com mais otimismo produzem substâncias capazes de eliminar as células do tumor. Nas mulheres que pensaram positivo, o índice de produção dessa substância foi de 19%. Já nas pessimistas, a taxa caiu para 8,5%.
De acordo com uma pesquisa publicada no periódico Circulation, da Associação Cardíaca Norte-americana, mulheres na pós-menopausa que são otimistas correm menos riscos de sofrer de doenças cardíacas e de morrer por outras causas, como o câncer. Foram avaliadas 7.253 mulheres que, no início da pesquisa, eram saudáveis. Depois de oito anos, verificou-se que as mais otimistas tiveram índices menores de doenças do coração (43 contra 60) e que morriam menos de outros males.
Um estudo conduzido por três décadas com 800 pacientes da Clínica Mayo, nos Estados Unidos, mostrou que os otimistas podem viver até 10 anos mais do que os pessimistas. Além da longevidade, o bom humor afastou o risco de desenvolvimento de doenças coronarianas e circulatórias.
Uma dica: Sorria pois sua saúde agradece
Fonte: Correio Braziliense
Notícia publicada em: 26/02/2010