terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Inibidores de bomba de prótons e o risco de infecção pelo Clostridium difficile: novos conhecimentos para compreensão de riscos potenciais

O Clostridium difficile é uma causa altamente prevalente de diarreia infecciosa na comunidade e uma etiologia crescente em pacientes hospitalizados. A taxa de infecção pelo C. difficile aumentou de forma importante, particularmente em indivíduos internados em hospitais, nos quais a incidência da doença vem aumentando para uma taxa de, aproximadamente 25% ao ano desde 2000.
Estimativas atuais são as de que a infecção pelo C. difficile complicam 0,5% a 1,0% e todas as admissões hospitalares. Como muitos pacientes hospitalizados recebem terapia de supressão ácida com inibidor de bomba de prótons (IBP), vários artigos recentes sugeriram uma possível relação causal entre o tratamento com IBP e a infecção por esta bactéria.
A hipótese é de que a redução da secreção ácida pode permitir a ingestão de um agente infeccioso como o C. difficile, que pode, talvez, sobreviver a “primeira barreira de defesa do hospedeiro” – o suco gástrico. A redução da secreção ácida pode facilitar a sobrevivência destas bactérias, potencialmente nocivas, no trato gastrointestinal superior, levando a uma sequela associada à doença.
O estudo retrospectivo de coorte foi realizado em dois hospitais do Canadá. Foram incluídos na análise dados de pacientes que permaneceram hospitalizados por 7 dias ou mais. Variáveis demográficas, exposição ao IBP e outros fatores foram avaliados por análise univariada e multivariada. Dos 14.719 pacientes, 149 (1%) apresentaram um primeiro episódio de infecção pelo C. difficile.
A exposição ao IBP aumentou o risco de infecção por esta bactéria nestes indivíduos (odds ratio [OR] 1,96, intervalo de confiança de 95% [IC] 1,42 – 2,72). Outros fatores de risco foram o uso de anticonvulsivantes, anticoagulantes, drogas contra a osteoporose, antagonistas de receptores de angiotensina II, medicamentos para asma, corticosteróides sistêmicos, hipoglicemiantes, ou antidepressivos.
Adicionalmente, a idade, antidepressivos, duração da internação, e serviço de admissão aumentaram significativamente o OR para risco incremental. O maior risco identificado foi, na verdade, o uso de antidepressivos (OR 2,99, IC 95% 2,16 – 4,15). Através de regressão logística, o número de dias em que se utilizou o IBP foi um importante fator preditor de infecção por C. difficile (OR 1,01/dia, IC 95% 1,00 – 1,02).
Embora tenha ocorrido um aumento, estatisticamente significativo na infecção por C. difficile em pacientes que receberam antibióticos e IBP, o risco absoluto foi modesto, e os autores do estudo sugeriram que os benefícios do tratamento com IBP superam o risco de desenvolver infecção por esta bactéria.

Ponto de vista

Evidentemente, muito se falou a respeito das indicações de IBP e sobre consequências adversas potenciais associadas ao emprego desta medicação. Artigos sugeriram uma relação não apenas entre o uso de IBP e a infecção pelo C. difficile, mas também entre o uso desta classe de drogas e outras sequelas importantes, como a fratura de quadril e carência de vitamina B12. Há também um interesse crescente na possibilidade do tratamento com IBP poder interferir com a atividade antiplaquetária do clopidogrel.
O suposto mecanismo de aumento de infecção pelo C. difficile associada ao emprego de IBP é o efeito de supressão ácida do medicamento. Contudo, há um paradoxo, pois os esporos do C. difficile são resistentes à secreção ácida. Portanto, o mecanismo da associação entre a utilização de IBP e a infecção pelo C. difficile é incerto.
Se a supressão ácida é a verdadeira causa da infecção por esta bactéria em pacientes em uso de IBP, então um maior risco de infecção deveria ser observado em indivíduos com acloridria (ausência de produção de ácido), uma condição associada à anemia perniciosa. Como a anemia perniciosa é um diagnóstico baseado em critérios, estudos retrospectivos poderiam determinar se houve uma associação entre esta doença e a infecção pelo C. difficile.
Tal relação poderia fornecer uma excelente explicação, ou até mesmo o dado essencial, para a hipótese da supressão ácida. Se for evidenciada uma associação entre o estado de acloridria e a infecção pelo C. difficile, a relação entre graus menores de redução de secreção ácida e a infecção poderia ser avaliada posteriormente.
Dados a respeito da utilização de IBP sugerem que um alvo de pH maior que 4 é alcançado por 11 a 14 horas com uma dose diária padrão. Em nenhuma condição o IBP eleva o pH gástrico do paciente para níveis tão atos quanto 7 (coincidindo com a acloridria).
Um estudo de caso controle aninhado a qualquer dos estudos retrospectivos, para incluir pacientes com anemia perniciosa, poderia fornecer evidências necessárias para determinar se a supressão ácida está associada à infecção pelo C. difficile.
Contudo, até hoje, nenhum dos estudos retrospectivos avaliando os efeitos associados aos IBP utilizaram este desenho científico, enfraquecendo consideravelmente as associações relatadas.
Os autores do estudo devem ser parabenizados por reconhecerem o risco potencial relativamente modesto de infecção pelo C. difficile associado ao emprego de IBP. Este evidente baixo risco relativo é notável e deveria ser mantido em perspectiva com o equilíbrio dos riscos e benefícios do tratamento.
É óbvio que se os pacientes não precisam de IBP, estas drogas nunca deveriam ser prescritas. Contudo, dados ainda sugerem que estes medicamentos possuem um benefício significativo para o tratamento de doenças relacionadas à secreção ácida, e são a base das estratégias profiláticas para redução de sangramento de úlceras pépticas ou de estresse associadas ao uso de antiinflamatórios não-esteroidais.
Finalmente, está sendo realizada uma avaliação da veracidade das alegações sobre os efeitos adversos do uso de IBP. A mensagem aos profissionais de saúde é que o equilíbrio entre riscos e benefícios é o conceito fundamental da estratégia de tratamento de qualquer doença. Os estudos epidemiológicos sobre a utilização de IBP que documentam conseqüências adversas potenciais, como a infecção pelo C. difficile, foram defendidos e contestados por outras evidências. [2,3]
O presente estudo sugere que se há um aumento de risco, este é muito modesto. Contudo, a maior mensagem é que dados atuais defendem o conceito de que os benefícios do tratamento com IBP – quando justificado de forma adequada – superam os riscos de desenvolvimento de infecção pelo C. difficile.

Abstract

Inibidores de bomba de prótons aumentam significativamente o risco de infecção por Clostridium difficile em um ambiente hospitalar de baixa endemicidade e sem epidemia. Aliment Pharmacol Ther. 2009; 29(6):626-34 (ISSN: 1365-2036)

Contexto

Os inibidores de bomba de prótons (IBP) foram associados a aumento do risco de infecção por Clostridium difficile. A relevância desta associação em hospitais com baixa atividade de doença, onde uma cepa da bactéria relacionada à epidemia não é dominante, foi avaliada em poucos estudos.

Objetivo

Avaliar a associação entre o uso de IBP e a infecção por C. difficile em um ambiente com baixa atividade da doença.

Métodos

Um estudo retrospectivo de coorte foi realizado em dois hospitais. Foram incluídos pacientes hospitalizados por 7 dias ou mais, em uso de antibióticos. Variáveis demográficas, exposição ao IBP e outros fatores foram avaliados por análise univariada e multivariada.

Resultados

Dos 14.719 pacientes, 149 (1%) apresentaram um primeiro episódio de infecção pelo C. difficile; a exposição ao IBP aumentou o risco de infecção [1,44 casos/100 pacientes versus 0,74 casos/100 indivíduos não expostos (OR: 1,96, IC 95%: 1,42 – 2,72)].
Através de regressão logística, evidenciou-se que o número de dias em que se utilizou o IBP (OR ajustado: 1,01 por dia, IC 95%: 1,00 – 1,02), bloqueadores do receptor H2 de histamina, antidepressivos, o número de dias de uso de antibióticos, a exposição a medicações, idade, serviço e duração da hospitalização foram fatores preditores significativos.

Conclusões

Observou-se um aumento estatisticamente significativo nos casos de infecção pelo C. difficile nos indivíduos que utilizavam antibióticos e IBP, mas o aumento de risco absoluto é modesto. Em ambientes com baixas taxas de infecção pelo C. difficile o benefício do tratamento com IBP supera o risco de infecção. Estes dados apóiam programas de redução do uso inapropriado de IBP em pacientes hospitalizados.

Informação sobre o autor: Dr. David A. Johnson,FACG, FASGE, FACP, Professor de medicina, Chefe de gastroenterologia, Eastern Virginia School of Medicine, Norfolk, Virgínia.