quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Esperança no fundo do mar

Pesquisas indicam que uma substância encontrada em peixes de águas geladas e profundas pode regenerar os neurônios, trazendo benefícios para epilépticos e portadores do mal de Alzheimer

O cérebro funciona como um jogo de dominó enfileirado no chão. A fila deve estar em perfeita harmonia para que cada peça caia em sincronia. Mas, às vezes, alguma delas pode ficar fora do lugar, e o movimento é interrompido. O mesmo acontece com a epilepsia. Durante segundos ou minutos, uma parte do cérebro emite sinais incorretos que prejudicam o funcionamento do corpo. A chave para que essa cadeia perfeita não termine pode estar na alimentação. Cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) descobriram que o ômega-3 é capaz de minimizar a morte neural durante crises epilépticas, assim como regenerar os neurônios.
Aproximadamente 50 milhões de pessoas no mundo têm epilepsia. Quando o cérebro emite sinais incorretos, as crises acontecem. Elas podem ser fortes ou imperceptíveis, vir em forma de alucinações ou convulsões. Se o sistema não funciona, o corpo sofre. Para tentar mudar esse quadro, os cientistas chegaram à conclusão de que aumentar a ingestão do ômega-3 pode fazer uma diferença significativa, já que a substância está presente nas células cerebrais. ?Ela é um dos componentes fundamentais da membrana externa dos neurônios, através da qual os impulsos ou sinais nervosos fluem. Por isso, é tão importante para o sistema?, diz Fúlvio Alexandre Scorza, neurocientista e coordenador da pesquisa da Unifesp.
Os testes com o ácido graxo mostraram resultados promissores. No primeiro estudo, realizado em 2008, os pesquisadores conseguiram verificar que o ômega-3 prevenia a morte de neurônios em ratos com crise epiléptica. Eles também perceberam que a substância tinha um efeito anti-inflamatório no tecido cerebral. ?Com esse suplemento na dieta, vimos, no laboratório, que o ômega-3 foi capaz de proteger os neurônios. Então, pensamos que talvez ele pudesse também fazer uma regeneração do sistema nervoso principal, o que ajuda o cérebro a produzir novas células?, explica Scorza.
Para comprovar a teoria, os pesquisadores fizeram outros testes com 20 ratos adultos, divididos em quatro grupos. O primeiro, composto por animais sadios, recebeu placebo. No segundo, foi administrada uma dieta rica em ômega-3. Nos dois últimos grupos, formados por ratos com crise de epilepsia, um deles recebeu placebo, e o outro, ômega-3. Depois de 60 dias da mudança na dieta dos ratos com a doença, os médicos observaram alterações neurais. ?Após a suplementação, foram reproduzidos novos neurônios, que podem ajudar a inibir as crises desses animais. Foi um grande avanço?, conta o pesquisador.
Para ter algum efeito, a quantidade do ácido graxo administrada aos ratos foi similar à da ingestão de peixes recomendada aos seres humanos. Segundo o neurologista, o ideal é que uma pessoa consuma peixes de águas profundas e géladas ou linhaça pelo menos três vezes por semana. O nosso organismo não sintetiza ômega-3, então temos que obtê-lo pela dieta. Quem não tem o costume de comer peixe pode usar suplementos em cápsulas, na quantidade de 1g ou 2g por dia?, sugere. Para fazer uma suplementação eficaz, o ideal é conversar com um médico ou um nutricionista, que vai avaliar a dieta alimentar do paciente.

Terapia alternativa
Há seis meses, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Riberão Preto começou a fazer um tratamento alternativo para crianças que têm epilepsia. Sem deixar de tomar os medicamentos tradicionais, 13 pacientes da ala infantil começaram a ingerir também cápsulas com ômega-3. Estamos ainda na fase inicial. Algumas crianças já têm tido uma resposta significativa na qualidade de vida, mas não temos uma conclusão ainda. Acredito que a união das duas medicações possa trazer muitos benefícios para quem sofre com as crises, comenta Vera Cristina Terra, neurologista e uma das coordenadoras da pesquisa. O objetivo, agora, é incluir mais 30 crianças nos testes. A pesquisadora lembra que cerca de 75% dos casos de epilepsia são diagnosticados na infância e entre os jovens. Portanto, os pais devem estar atentos a qualquer sinal de mudança de comportamento ou desenvolvimento.
Um teste com adultos já foi finalizado há quase um ano na Universidade de Mogi das Cruzes. Segundo a neurologista Marly de Albuquerque, que participou do estudo, depois de passar por uma avaliação inicial, nove pacientes receberam 3g do ácido graxo por dia e fizeram diversos testes para medir a frequência da crise e as mudanças na qualidade de vida dos epilépticos. Em seguida, nós reavaliamos e observamos que houve uma melhora substancial na vida desses pacientes?, afirma a médica.
O próximo passo para os pesquisadores é descobrir qual efeito a substância teria na prevenção de doenças neurológicas. ?Temos diversas comprovações científicas de que o ômega-3 faz bem para o funcionamento do cérebro. Ele age como uma substância transmissora e, além disso, tem o efeito anti-inflamatório, que pode ajudar em outras doenças. Teoricamente, ele pode funcionar como prevenção, já que dá certo com pacientes que têm a doença instalada, diz Marly de Albuquerque. Ela recomenda a suplementação para todos os seus pacientes que sofrem com mal de Alzheimer e epilepsia.

Fonte: Correio Braziliense
Notícia publicada em: 13/01/2010